Tinha
a intenção de pegar carona até Valparaíso, mas a minha infecção
no testículo me fazia sentir dor ao andar. A
saída da cidade era muito longe, é sempre mais difícil pegar
carona em cidades grandes e pra ajudar meu cadarço arrebentou no
caminho. Resolvi pegar o ônibus, as cidades são próximas e me
tomou só uma hora de viagem.
Chegando lá joguei meu tênis fora porque antes
do cadarço já tinha arrebentado a sola e
comprei outro de trilha, barato e não era impermeável.
Valparaíso
é uma cidade única, é um antigo porto que se tornou habitado por
pessoas mais pobres. A
maior parte da população vive nos cerros, morros com casas como no
Rio de Janeiro. É uma cidade muito boêmia, tem muitos bares e
atividades culturais, é um polo de malabaristas e músicos também,
as pessoas na cidade costumam dar mais dinheiro para artistas de rua.
Antigamente era uma cidade bem cinza, hoje há muito grafite por toda
a parte nos cerros, que é
parte da atração turística da cidade. Não é uma cidade tão
segura, tem muito mais tráfico e roubos do que no sul do Chile onde
foi a minha maior
experiência no país,
mas infelizmente é um nível de violência que brasileiros que moram
em grandes cidades já estão acostumados a evitar. É uma cidade
muito jovem, também é um polo universitário e por isso tem muitos
estudantes festando e também protestando em conjunto com
trabalhadores. No
mês que eu fiquei lá, por quase uma semana tinha gás lacrimogênio
na praça central devido a protestos contra a má condição de
trabalho dos portuários. Passei o final do ano na cidade, terminei
bem o ano de 2018 (apesar de ter a sensação de que se
passou uns 3 anos desde 2017) e comecei
2019 com muita alegria e expectativas.
Fiquei
quase um mês lá trabalhando no hostel La Casa Azul, que ficava em
um dos cerros, bem próximo ao centro da cidade. É um hostel pequeno
e muito bom, éramos em 6 trabalhando, incluindo a gerente que
trabalhava todos os dias pela manhã, logo o trabalho nunca era
pesado. Foi meu último hostel na américa do sul e tive sorte de
terminar em um quase tão bom quanto o de Bariloche, a galera da
staff e os chefes eram muito bons e a boa vibe da pequena família do
hostel emanava e agradava a maioria dos hóspedes, eu passava boa
parte do meu tempo no hostel, mesmo quando não estava trabalhando,
foi um bom lugar para descansar depois de mais de um mês de viagem
no Chile e tomar umas cervejas ou vinho no pátio. Havia dois gatos
ali, Luza (azul ao contrário) que já era do hostel e a sensação
do lugar: Mochila, um gato filhote que era de Cami, parte da staff.
Os funcionários não ficavam no hostel, tínhamos uma pequena casa
para nós a 2 minutos andando, ainda assim eu preferia ficar no
hostel e praticamente só ia para a casa dormir. Em um dos dias eu
bati forte a cabeça na cama acima da minha na treliche, fiquei meio
zonzo e até sangrou, por um momento pensei que teria que ir ao
hospital mas não foi tão grave assim.
Acabou
que a cidade também proporcionou alguns reencontros, Eduardo um
amigo do México que conheci em Bariloche estave na cidade na minha
primeira semana lá, passei por sua casa duas vezes, em uma havia uma
festa de extrageiros que estavam fazendo intercambio lá, a festa foi
boa mas o pessoal era mais rico e um nível diferente dos viajantes
mais relaxados e abertos que já estou acostumado. Também
reencontrei Juli, com quem trabalhei em Córdoba e a vi pela última
vez em La Cumbrecita, ela estava trabalhando em outro hostel lá, que
tinha uma bela vista da baía
de Valparaíso.
Entre
os novos amigos que fiz estava Meli, que se tornou mais que uma amiga
e namoramos por um breve período, diferente dos outros amores
efêmeros da viagem esse foi mais
intenso e viajamos juntos para La Serena e só nos separamos porque
fui para Nova Zelândia.
Valparaíso
tem algumas poucas praias mas não são tão movimentadas como outras
na região. A praia de Portales era um lugar que eu gostei de passar
o entardecer, há umas pedras e um pier que tem uma bela vista e é
possível ver vários lobos marinhos próximos se amontoando
em uma pequena plataforma de alguma antiga construção no mar. A 30
minutos de circular está Viña del Mar, com uma longa praia e várias
casas e prédios mais luxuosos na orla, na verdade boa parte de Viña
é só fachada, a maioria da população vive mais ao fundo em casas
tão humildes quanto as de Valparaíso, mas existem todos esses
prédios parcialmente vazios especialmente para os turistas verem. Um
pouco mais ao norte há Reñaca, a praia que mais frequentei porque
era a favorita de Meli, inclusive voltando tarde um dia de lá
tentaram roubar o celular dela no ônibus, eu por sorte tive reflexos
suficientes para rapidamente dar um tapa na mão do ladrão
derrubando o celular segundos antes dele desaparecer pela porta
aberta do ônibus. Nesse mesmo dia antes de Reñaca havíamos passado
pela praia de La Boca que é popular mas bem feia, apesar de ser
movimentada eu só passei por lá este dia. Logo ao lado de Reñaca
está Con-con que conta com praias e dunas, é bem interessante
visitar as dunas porque se encontram rodeadas pelas cidades, há uma
vista bem bonita e óbvio muita areia em toda parte com o vento
constante da costa, Não há nenhuma trilha ou caminho para subir nas
dunas, então as pessoas simplesmente escolhem um ponto e vão,
algumas partes são bem mais fáceis que outras mas eu só descobria
no meio do caminho.
Um
pouco mais longe, aproximadamente 1h de coletivo, está a Laguna
Verde. É um pequeno vilarejo com praia e uma pequena lagoa verde,
como o nome já sugere. É
uma boa praia e eu consegui queimar minha axila um dia dormindo ali.
O sol do Chile é extremamente forte, os níveis de radiação UV são
bem maiores do que no Brasil, logo ficar no sol em um dia com uns 20
graus queima mais do que um banho de sol a 30 graus no Brasil. É
muito importante usar filtro solar lá, mas eu nunca passei protetor
no suvaco e nunca me passou pela cabeça que eu poderia me queimar
ali e aconteceu, mais de três meses depois e eu ainda tinho
as marcas.
Aprendi
o básico de malabares com bolas no hostel. Checho, que também fazia
parte da staff, trabalha com malabares nos semáforos, ele me ensinou
e a partir daí fui praticando um pouco a cada dia. Mesmo com minha
falta de coordenação motora consegui eventualmente jogar com três
bolas e fazer um truque no início, se eu precisasse
de dinheiro durante a viagem isso serveria
como mais um instrumento, mas de qualquer forma é divertido e é
mais uma habilidade que adquiri nesta jornada.
Os
bares e baladas em Valparaíso não são tão caros como no sul do
Chile, mas por ser uma cidade bohemia tem muita gente se juntando
para beber nas praças durante a noite. Na
maioria das vezes eu fazia isso após
comprar
cerveja no mercado ou botillerias, como são chamadas as
conveniências de bebidas. Beber na rua é proibido, durante o dia em
várias escadarias dos cerros é fácil encontrar muita gente bebendo
escondido nas curvas onde não é possível enxergar diretamente das
ruas, mas depois das 23h sempre se encontrava várias pessoas bebendo
abertamente nas praças, é uma prática tão comum e praticada por
tanta gente que a polícia passa e faz vista grossa. Fui em uns dois
ou três bares na cidade, não eram nada de mais e beber na rua saia
bem mais barado e era mais divertido,
cheguei a ir em outro hostel chamado Mítico que tinha uma pegada
maior de festa do que o meu, onde sempre bebíamos mas no momento de
silêncio tinhamos que sair se quiséssemos continuar a farra. Só
fui em uma balada chamada Bellavista, um amigo brasileiro tinha
contatos lá e conseguiu entrada grátis para nós, a balada era cara
mas o lugar era demais, um terraço de frente para o oceano, tocava
eletrônico, raggaeton e funk brasileiro.
Estive
em Valparaíso durante o Natal e o Ano Novo o que foi uma boa
escolha, durante o Natal o dono do hostel pagou todas as despesas do
jantar da virada, e nós compramos muita bebida, no dia 25 eu não
trabalhava e passamos bebendo o dia inteiro no hostel, durante a
madrugada um dos hóspedes desceu e reclamou que fazíamos muito
barulho e Meli praticamente nos expulsou de lá, estávamos muito
bêbados e saímos sem limpar a bagunça do dia. Eu trabalhava de
manhã no outro dia o que não era problema, já estava mais que
acostumado depois de anos trabalhando de ressaca no Brasil, a gerente
do hostel ficou muito brava e possessa quando viu o estado que o
lugar se encontrava
no dia seguinte, quase expulsou o responsável pelo último turno do
dia anterior. Depois de ir embora a hóspede escreveu que gostou do
hostel mas teve problemas na noite de natal porque os brasileiros da
staff fizeram muita bagunça, eu era o único brasileiro trabalhando
lá e nem sequer fiz barulho, só estava bebendo e conversando com o
pessoal.
No
ano novo fizemos um churrasco para os hóspedes, eu fiquei
encarregado da churrasqueira e fiz um autêntico churrasco brasileiro
para todos, também compramos bastante bebidas e começamos a beber
já no começo da tarde. Assim como na maioria das cidades praianas
brasileiras, Valparaíso também tem fogos de artifício disparados
do mar, é considerado o melhor show de fogos do Chile mas não é
tão grande quanto as mais fomosas viradas brasileiras, eu já não
vejo muita graça em fogos depois de tantos anos passando o Reveillon
em praias. Depois dos fogos descemos para a rua que estava
completamente lotada, tinha muitos turistas na cidade por ser
provevelmente a virada mais famosa do país. Tinha um palco montado
na praça principal com música ao vivo bem ao estilo do Show da
Virada da Globo com menos orçamento. Passamos também pelo Relógio
da cidade onde havia um grupo de metais que tocave muito bem e
agregou uma pequena multidão que festava por ali.
Novamente
a melhor parte da experiência na cidade foi conhecer os amigos que
fiz ali: Meli, Checho, as duas Camis, Cris, Ola, Diego, Lucas,
Francisco, Antonio, Naty e Violeta. Algum hóspede em certo momento
disse que o hostel parecia uma república de estudantes que oferecia
um airbnb, era exatamente assim que me sentia ali e isso era
fantástico.