quinta-feira, 18 de julho de 2019

La Serena e o resgate do Valle de Elqui


Fui com Meli de Valparaíso até La Serena, foi a primeira vez que ela pegou carona. Eu diria que foi um bom começo, passamos todo o dia na estrada mas são 450 km no norte do Chile, a área mais difícil de conseguir ser levado. A maior parte dos trechos foram com caminhões e a única vez que tivemos que esperar mais de uma hora foi em Los Vilos, um pouco antes da metade do caminho.

La Serena é uma cidade bonita e, como o nome já sugere, bem calma. Um bom destino para quem quer ficar tranquilo e curtir uma praia sem muita gente, mas não tem nada para se fazer. Fiquei uma semana lá, basicamente ficava de boa no hostel no início do dia e no fim da tarde íamos a praia. A praia não tem nada de mais, a areia é um pouco escura e o mar apesar de não ser gelado como o de Valparaíso é mais frio que o mar no sul do Brasil, pelo visto a água do Pacífico é sempre fria. São vários quilômetros de praia, se isolar é fácil porque mesmo sendo uma cidade turística tem pouca gente.

É na saída da cidade que se encontra o Valle de Elqui, um belo vale que se extende pelos 75 kms do rio Elqui com uma paisagem impressionante e muitas vinículas. Em um dos dias fomos de carona até El Molle para fazer a trilha do cerro de mesmo nome, o topo fica a 2600 m de altitude e o percurso dura em média 2h30. Saímos um pouco tarde de La Serena porque já estavamos acostumados com um ritmo lento para começar o dia, chegamos na vila que é minúscula e fomos direto ao cerro. A trilha não é marcada e ao invés de seguí-la fomos subindo o morro direto quase em linha reta, fizemos em bem menos de 2h e ficamos um bom tempo curtindo a paisagem, tomando mate e tereré ali no topo. Começamos a descer um pouco tarde mas com tempo suficiente para chegar ao fim a luz do dia, pelo menos foi isso que acreditamos. Não sabíamos onde começava a trilha já que não a seguimos e não encontramos nada que indicasse onde descer então fomos por onde parecia mais fácil, depois de uns 30 minutos descendos chegamos a um ponto que o caminho foi ficando mais difícil. Tentamos continuar em direção onde deveria haver uma trilha para tornar a descida mais fácil porém não encontramos. Eventualmente chegamos a uma parte perigosa do morro onde o terreno não aguentava meu peso e cedia, para ajudar haviam vários cactus que me furaram constantemente com os deslisamentos. Meli conseguia se mover mais facilmente por ser leve e foi tentando encontrar caminhos melhores, de qualquer forma nosso progresso era bem lento e eventualmente a luz do dia não era suficiente para seguirmos. Eu sempre levo lanterna mas a lei de Murphy está aí para nos mostrar que o dia que esqueci de levar pois faríamos uma trilha fácil seria o dia que eu precisaria dela e seguíamos com a lanterna do celular, na penumbra eu escorreguei e me apoiei em um cactus sem perceber furando toda a minha mão. Uma moradora viu a luz dos celulares naquela parte do cerro nos sinalizou e gritou para não nos movermos dali, estávamos no lado oposto da trilha em uma parte perigosa. Paramos e esperamos até que um morador chegou para nos ajudar, ele conhecia bem o cerro e falava com os policiais da vila pelo telefone. O cara nos guiou por caminhos onde as cabras andam e o terreno era mais firme, e no caminho encontramos dois policiais que subiam para nos resgatar, começamos todos a descer e os policiais também tinham muita dificuldade para se mover, quando finalmente chegamos na trilha encontramos com os bombeiros que assumiram a descida dali, que já era bem mais fácil. No fim fomos à delegacia e o delagado pegou nossos dados, o morador que nos guiou no cerro ainda ofereceu carona até La Serena.

Dali fui pra Santiago de onde sairia meu voô para Nova Zelandia, novamente o único lugar em que demorei para conseguir carona foi Los Vilos, consegui chegar na cidade ainda com muito tempo de sol.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Valparaíso


Tinha a intenção de pegar carona até Valparaíso, mas a minha infecção no testículo me fazia sentir dor ao andar. A saída da cidade era muito longe, é sempre mais difícil pegar carona em cidades grandes e pra ajudar meu cadarço arrebentou no caminho. Resolvi pegar o ônibus, as cidades são próximas e me tomou só uma hora de viagem. Chegando lá joguei meu tênis fora porque antes do cadarço já tinha arrebentado a sola e comprei outro de trilha, barato e não era impermeável.

Valparaíso é uma cidade única, é um antigo porto que se tornou habitado por pessoas mais pobres. A maior parte da população vive nos cerros, morros com casas como no Rio de Janeiro. É uma cidade muito boêmia, tem muitos bares e atividades culturais, é um polo de malabaristas e músicos também, as pessoas na cidade costumam dar mais dinheiro para artistas de rua. Antigamente era uma cidade bem cinza, hoje há muito grafite por toda a parte nos cerros, que é parte da atração turística da cidade. Não é uma cidade tão segura, tem muito mais tráfico e roubos do que no sul do Chile onde foi a minha maior experiência no país, mas infelizmente é um nível de violência que brasileiros que moram em grandes cidades já estão acostumados a evitar. É uma cidade muito jovem, também é um polo universitário e por isso tem muitos estudantes festando e também protestando em conjunto com trabalhadores. No mês que eu fiquei lá, por quase uma semana tinha gás lacrimogênio na praça central devido a protestos contra a má condição de trabalho dos portuários. Passei o final do ano na cidade, terminei bem o ano de 2018 (apesar de ter a sensação de que se passou uns 3 anos desde 2017) e comecei 2019 com muita alegria e expectativas.


Fiquei quase um mês lá trabalhando no hostel La Casa Azul, que ficava em um dos cerros, bem próximo ao centro da cidade. É um hostel pequeno e muito bom, éramos em 6 trabalhando, incluindo a gerente que trabalhava todos os dias pela manhã, logo o trabalho nunca era pesado. Foi meu último hostel na américa do sul e tive sorte de terminar em um quase tão bom quanto o de Bariloche, a galera da staff e os chefes eram muito bons e a boa vibe da pequena família do hostel emanava e agradava a maioria dos hóspedes, eu passava boa parte do meu tempo no hostel, mesmo quando não estava trabalhando, foi um bom lugar para descansar depois de mais de um mês de viagem no Chile e tomar umas cervejas ou vinho no pátio. Havia dois gatos ali, Luza (azul ao contrário) que já era do hostel e a sensação do lugar: Mochila, um gato filhote que era de Cami, parte da staff. Os funcionários não ficavam no hostel, tínhamos uma pequena casa para nós a 2 minutos andando, ainda assim eu preferia ficar no hostel e praticamente só ia para a casa dormir. Em um dos dias eu bati forte a cabeça na cama acima da minha na treliche, fiquei meio zonzo e até sangrou, por um momento pensei que teria que ir ao hospital mas não foi tão grave assim.

Acabou que a cidade também proporcionou alguns reencontros, Eduardo um amigo do México que conheci em Bariloche estave na cidade na minha primeira semana lá, passei por sua casa duas vezes, em uma havia uma festa de extrageiros que estavam fazendo intercambio lá, a festa foi boa mas o pessoal era mais rico e um nível diferente dos viajantes mais relaxados e abertos que já estou acostumado. Também reencontrei Juli, com quem trabalhei em Córdoba e a vi pela última vez em La Cumbrecita, ela estava trabalhando em outro hostel lá, que tinha uma bela vista da baía de Valparaíso.

Entre os novos amigos que fiz estava Meli, que se tornou mais que uma amiga e namoramos por um breve período, diferente dos outros amores efêmeros da viagem esse foi mais intenso e viajamos juntos para La Serena e só nos separamos porque fui para Nova Zelândia.

Valparaíso tem algumas poucas praias mas não são tão movimentadas como outras na região. A praia de Portales era um lugar que eu gostei de passar o entardecer, há umas pedras e um pier que tem uma bela vista e é possível ver vários lobos marinhos próximos se amontoando em uma pequena plataforma de alguma antiga construção no mar. A 30 minutos de circular está Viña del Mar, com uma longa praia e várias casas e prédios mais luxuosos na orla, na verdade boa parte de Viña é só fachada, a maioria da população vive mais ao fundo em casas tão humildes quanto as de Valparaíso, mas existem todos esses prédios parcialmente vazios especialmente para os turistas verem. Um pouco mais ao norte há Reñaca, a praia que mais frequentei porque era a favorita de Meli, inclusive voltando tarde um dia de lá tentaram roubar o celular dela no ônibus, eu por sorte tive reflexos suficientes para rapidamente dar um tapa na mão do ladrão derrubando o celular segundos antes dele desaparecer pela porta aberta do ônibus. Nesse mesmo dia antes de Reñaca havíamos passado pela praia de La Boca que é popular mas bem feia, apesar de ser movimentada eu só passei por lá este dia. Logo ao lado de Reñaca está Con-con que conta com praias e dunas, é bem interessante visitar as dunas porque se encontram rodeadas pelas cidades, há uma vista bem bonita e óbvio muita areia em toda parte com o vento constante da costa, Não há nenhuma trilha ou caminho para subir nas dunas, então as pessoas simplesmente escolhem um ponto e vão, algumas partes são bem mais fáceis que outras mas eu só descobria no meio do caminho.

Um pouco mais longe, aproximadamente 1h de coletivo, está a Laguna Verde. É um pequeno vilarejo com praia e uma pequena lagoa verde, como o nome já sugere. É uma boa praia e eu consegui queimar minha axila um dia dormindo ali. O sol do Chile é extremamente forte, os níveis de radiação UV são bem maiores do que no Brasil, logo ficar no sol em um dia com uns 20 graus queima mais do que um banho de sol a 30 graus no Brasil. É muito importante usar filtro solar lá, mas eu nunca passei protetor no suvaco e nunca me passou pela cabeça que eu poderia me queimar ali e aconteceu, mais de três meses depois e eu ainda tinho as marcas.

Aprendi o básico de malabares com bolas no hostel. Checho, que também fazia parte da staff, trabalha com malabares nos semáforos, ele me ensinou e a partir daí fui praticando um pouco a cada dia. Mesmo com minha falta de coordenação motora consegui eventualmente jogar com três bolas e fazer um truque no início, se eu precisasse de dinheiro durante a viagem isso serveria como mais um instrumento, mas de qualquer forma é divertido e é mais uma habilidade que adquiri nesta jornada.

Os bares e baladas em Valparaíso não são tão caros como no sul do Chile, mas por ser uma cidade bohemia tem muita gente se juntando para beber nas praças durante a noite. Na maioria das vezes eu fazia isso após comprar cerveja no mercado ou botillerias, como são chamadas as conveniências de bebidas. Beber na rua é proibido, durante o dia em várias escadarias dos cerros é fácil encontrar muita gente bebendo escondido nas curvas onde não é possível enxergar diretamente das ruas, mas depois das 23h sempre se encontrava várias pessoas bebendo abertamente nas praças, é uma prática tão comum e praticada por tanta gente que a polícia passa e faz vista grossa. Fui em uns dois ou três bares na cidade, não eram nada de mais e beber na rua saia bem mais barado e era mais divertido, cheguei a ir em outro hostel chamado Mítico que tinha uma pegada maior de festa do que o meu, onde sempre bebíamos mas no momento de silêncio tinhamos que sair se quiséssemos continuar a farra. Só fui em uma balada chamada Bellavista, um amigo brasileiro tinha contatos lá e conseguiu entrada grátis para nós, a balada era cara mas o lugar era demais, um terraço de frente para o oceano, tocava eletrônico, raggaeton e funk brasileiro.

Estive em Valparaíso durante o Natal e o Ano Novo o que foi uma boa escolha, durante o Natal o dono do hostel pagou todas as despesas do jantar da virada, e nós compramos muita bebida, no dia 25 eu não trabalhava e passamos bebendo o dia inteiro no hostel, durante a madrugada um dos hóspedes desceu e reclamou que fazíamos muito barulho e Meli praticamente nos expulsou de lá, estávamos muito bêbados e saímos sem limpar a bagunça do dia. Eu trabalhava de manhã no outro dia o que não era problema, já estava mais que acostumado depois de anos trabalhando de ressaca no Brasil, a gerente do hostel ficou muito brava e possessa quando viu o estado que o lugar se encontrava no dia seguinte, quase expulsou o responsável pelo último turno do dia anterior. Depois de ir embora a hóspede escreveu que gostou do hostel mas teve problemas na noite de natal porque os brasileiros da staff fizeram muita bagunça, eu era o único brasileiro trabalhando lá e nem sequer fiz barulho, só estava bebendo e conversando com o pessoal.

No ano novo fizemos um churrasco para os hóspedes, eu fiquei encarregado da churrasqueira e fiz um autêntico churrasco brasileiro para todos, também compramos bastante bebidas e começamos a beber já no começo da tarde. Assim como na maioria das cidades praianas brasileiras, Valparaíso também tem fogos de artifício disparados do mar, é considerado o melhor show de fogos do Chile mas não é tão grande quanto as mais fomosas viradas brasileiras, eu já não vejo muita graça em fogos depois de tantos anos passando o Reveillon em praias. Depois dos fogos descemos para a rua que estava completamente lotada, tinha muitos turistas na cidade por ser provevelmente a virada mais famosa do país. Tinha um palco montado na praça principal com música ao vivo bem ao estilo do Show da Virada da Globo com menos orçamento. Passamos também pelo Relógio da cidade onde havia um grupo de metais que tocave muito bem e agregou uma pequena multidão que festava por ali.

Novamente a melhor parte da experiência na cidade foi conhecer os amigos que fiz ali: Meli, Checho, as duas Camis, Cris, Ola, Diego, Lucas, Francisco, Antonio, Naty e Violeta. Algum hóspede em certo momento disse que o hostel parecia uma república de estudantes que oferecia um airbnb, era exatamente assim que me sentia ali e isso era fantástico.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Santiago

Cheguei em Santiago e encontrei uma grande cidade, já fazia tempo que não passava por uma e não posso dizer que sentia falta. Aliado ao fato de estar com uma infecção no testículo não ajudou a ter uma boa primeira impressão. Depois de me acostumar com o lugar até que não é uma cidade ruim. Chile é um país muito centralizado, Santiago além de muitos moradores também tem um grande fluxo de pessoas de outras cidades porque tudo é resolvido lá, apesar de tanto movimento a infraestrutura é boa e ela comporta a todos. A parte boa é que a cidade tem muitos parques, não são só prédios e negócios, as pessoas caminham por muitas áreas verdes, praças e a vida cultural é movimentada.

Há vários museus e mutios são grátis, o Bellas Artes e o museu de direitos humanos são bons exemplos. O primeiro tem várias exposições artísticas interessantes e o segundo mostra muitas coisas sobre o período de ditadura no país inclusive um filme sobre o dia do golpe, onde houve um bombardeio que incendiou a casa da moeda e causou a morte do presidente. Ambos são de fácil acesso e perdi umas boas horas percorrendo-os.
Conheci também o sistema de saúde pública do país através do hospital San Juan de Díos. Os hospitais públicos do Chile, assim como as escolas públicas, só são grátis pra quem é muito pobre, mas por algum motivo não me cobraram, provavelmente por não ter salário no Chile fui colocado na mesma categoria. Tive que esperar muito tempo, depois da triagem inicial foram umas 3 horas para me chamarem para as salas de espera internas e mais umas 3 horas até fazer todos os exames, mas o atendimento foi bom, os médicos não estavam com pressa e deram bastante atenção ao meu problema. Inicialmente a primeira médica foi um pouco seca porque achava que eu tinha brigado com alguém o que parece ser comum no país, mas depois que eu disse que não e expliquei que apareceu do nada ela mudou de atitude. Ao final dos exames descobriram que eu estava com Epididimite e me receitaram antibiótico por 20 dias, ou seja, ficaria um bom tempo sem beber (apesar de voltar a tomar duas semanas depois).

Muitos dos pontos turísticos estão centralizados e é fácil fazer um tour de um dia por tudo caminhando. Há a casa da moeda onde há um centro cultural no subsolo também com entrada gratúita, a praça de armas fica uns 500 metros de lá e é a praça central da cidade. Mais ao norte fica o Mercado Central que é igual ao mercadão de qualquer grande cidade sulamericana, por ali está o rio cuja margem chega até o parque florestal, onde também fica o museu Bellas Artes. Mais ao leste fica o cerro Santa Lucia, um dos melhores pontos da cidade com uma vista panorâmica de Santiago e um belo parque por dentro. Ao norte do cerro está o bairro Bella Vista, famoso pelos bares e grafites, nada comparado ao que veria depois em Valparaíso, é onde também se encontra o Cerro Bon Pastor. Este cerro é o início de uma cadeia de cerros que formam o ponto mais alto de Santiago, tem uma igreja a ceu aberto no topo que se chega de carro, por um teleférico ou por uma trilha de uns 40 minutos.

Fui duas vezes em Santiago, na primeira fiquei no hostel Princesa Insolente, que é barato e tem uma decoração daora mas não é muito bom para interagir com outras pessoas. Quando voltei fiquei de CouchSurfing na casa do Kervin, um jornalista venezuelano que se refugiou no Chile e vive em um pequeno apartamento com seu namorado, ainda assim recebe muitos viajantes por CouchSurfing. Por um dia também fiquei na casa da Lina, uma Santiagina muito gente boa, hospitaleira e aberta que me recebeu de última hora em um dia que não tinha onde ficar.

domingo, 26 de maio de 2019

Pucón


Pucón é uma cidade bonita, mas é muito parecida com tudo o que eu já tinha visto. É bem turística, havia tempo que eu não via tanta gente de fora pelas ruas, muitos brasileiros também, o que não encontrava desde Torres del Paine. Por ser perto de Bariloche tem muita gente que aproveita a viagem até lá para esticar um pouco no Chile, no fim das contas a paisagem entre as duas cidades é bem parecida e eu já havia passado um mês em Bariloche. A principal diferença é a vista para o vulcão Villarica, mas eu tinha acabado de chegar de Puerto Varas que tinha uma vista para três vulcões.

Além de algumas voltas na cidade eu passei a maior parte do tempo na “praia” de água doce. Também conheci Carbugua, uma pequena cidade por perto com um lago de mesmo nome. O lago é bem cristalino mas estava muito frio para nadar, fiz uma pequena trilha até um mirador por ali, fora isso também não tinha muito o que fazer por lá.

No primeiro dia fiquei no hostel Willhouse e no segundo acampei em um estacionamento abandonado em frente a praia. O hostel era ok mas a galera dali não interagia muito, entretanto quando acampei a lei de Murphy me trouxe uma diarréia forte no meio da madrugada e tive que me aliviar no meio do mato. Não tinha pá e acabei cavando um buraco no chão com as mãos enquanto suava frio.

De lá peguei carona direto para Santiago, foi a primeira grande distância que fiz por terra no Chile, foram 780 km entre várias caronas. A primeira foi até a cidade de Villarica bem próxima, aproveitei para conhecer um pouco a cidade, dali peguei carona com um motorista de Uber até Temuco, ele voltava de uma corrida do aeroporto para Villarica. Desci em um ponto não muito bom para caronas mas em pouco tempo um caminhão parou para deixar uma passageira e o caminhoneiro me levou até pouco depois de Los Angeles, ele era bem religioso e disse que Deus estava falando comigo e por isso colocou a outra mulher no caminho dele para que ele pudesse me levar até meu destino. Durante toda a viagem ele foi falando sobre sinais divinos e a vida na igreja. Pouco tempo depois dali até Curicó um senhor me levou e disse que o fazia porque era um servo de Deus e até me pagou um jantar em nome Dele. Quando cheguamos em Curicó faltavam menos de 200 km mas já estava perto de escurecer, resolvi ficar por ali mesmo, perguntei em um posto de gasolina se sabiam algum lugar para acampar e me deixaram acampar ali mesmo escondido atrás de uns arbustos. No outro dia amanheci com uma infecção no testículo, talvez porque não tenha escutado o que Deus me dizia. Dali consegui uma carona direto para Santiago com um roqueiro bem gente boa.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Puerto Varas


Gostei muito de Puerto Varas, em parte por culpa da galera que conheci. Fui para ficar 3 dias e acabei passando uma semana. Foi o meu primeiro destino fora da Patagônia depois de quase três meses na região, somando ao fato de que eu comecei a minha viagem pelo final do outono no Uruguai, já estava ansioso por deixar o longo inverno. Puerto Varas ainda está muito ao sul e a região costuma ter muita neve no inverno, fui no final de Novembro, só havia neve no topo dos vulcões. Durante o dia fazia calor e o sol era extremamente forte, mesmo em temperaturas amenas, já a noite fazia um pouco de frio, nada que um leve casaco não resolvesse.

Fiquei por CouchSurfing na casa do Pedro, que é muito gente boa e se tornou um amigo em pouco tempo. Ele também me apresentou suas amigas que estavam sempre presentes Arantxa, Cony e Cami. Já no primeiro dia eles fizeram um churrasco em casa, que foi meu primeiro churrasco chileno e no fim das contas essa semana foi a semana que mais comi churrasco até agora em toda viagem. A comida estava muito boa, mas a carne argentina ainda é melhor na minha opinião, encontrei ali um grupo festeiro e como um bom alcoólatra me enturmei bem.

A cidade em si é muito bonita, mas é bem turística e as fachadas públicas são bem extravagantes, a cidade está a margem de um lago gigante chamado Llanquihue, com 860 km² e passando por várias cidades da região. É possível ver três vulcões da cidade: o iconico Osorno, Calbuco e o distante Tronador, caminhar ao redor do lago com a visão dos vulcões ao fundo é encantador. Há um pequeno morro dentro da cidade chamado Cerro Phillipi, é um bom parque para pedalar e tem uma vista da cidade, fora isso não é nada de mais. Um ponto turístico único é o museu Pablo Fierro, bem diferente dos museus comuns. Pablo é um artista plástico chileno que está sempre trabalhando ali no museu e a própria construção onde o museu se encontra é uma atração à parte, Pablo foi reformando a casa e criando em cima. Além de expor suas obras de arte, geralmente paisagens, também decorou salas com uma temática antiga, andar pelo museu é como um passeio pelo passado, e a entrada é grátis.

Peguei um ônibus em um dos dias e fui até os saltos de Petrehué, um conjunto de cascadas, mas não etrei no parque, havia que pagar entrada então só caminhei pela parte afora que também tinham cascatas, já vi muitas cachoeiras nessa viagem e todas grátis. Dali havia uma trilha até o vulcão Osorno, são 6 km por um terreno difícil, mas a vista é boa e gratificante. Também pela região há a laguna verde, um lugar bem relaxante. Tudo isto está na região de uma cidade chamada Enseada, que é bem pequena e sem muita infraestrutura, por isso Puerto Varas e Puerto Monnt servem mais como base para os turistas do que Enseada.

Também fui a Frutillar, que fica em frente ao vulcão Osorno do outro lado do lago, a cidade tem bastante verde e “praias” de água doce, com areia vulcânica ao redor do lago. Uma das principais atrações da cidade é o museu colonial alemão, que não cheguei a conhecer, preferi não pagar entrada para ver um museu alemão sendo que já fui à Alemanha duas vezes. A praia até tinha alguns turistas, mas na hora da cesta, entre 12h e 15h, o colégios tem um intervalo e uma onda de crianças foram para a praia.

Eu estava em Puerto Varas durante o Teleton chileno, que é bem importante para as pessoas do país. Todos param para assistir e comentam sobre o programa durante a semana toda, não esperava nada assim. No dia do programa fizemos um churrasco durante a tarde e tomamos muita piscola (pisco com coca) durante o final da tarde e a noite enquanto assistíamos o Teleton.

A vida noturna da cidade gira em torno do centro, todos os bares e baladas estão ali, o estranho é que a galera deixa pra sair bem tarde e as baladas fecham entre 3 e 4 da manhã, então no fim das contas o pessoal só aproveita umas 2 ou 3 horas de festa. As baladas que eu fui foram Orquídea, La Buena Vida e Urbano, entre elas a melhor foi Orquídea que tocavam as músicas mais animadas e tinha mais gente, a Urbano era a mais risca faca mas ainda assim divertida.

domingo, 21 de abril de 2019

Grande Ilha de Chiloé


Chiloé é a região que marca o começo da Patagônia, há uma parte continental que não tem muita coisa e um arquipélago de ilha. Ali fica a grande ilha de Chiloé, a maior ilha do Chile (já que a Tierra del Fuego é dividida com a Argentina). Cheguei tarde na ilha por Quellón mas ainda fazia sol. Apesar de eu estar migrando para o norte ali ainda é muito ao sul do mundo e o verão estava se aproximando. Durante minha viagem na carretera me indicaram um hostel barato dali, entretanto não consegui achar pelo endereço e ninguém na cidade conseguia me indicar. Dei uma volta por Quellón e não gostei muito, só tem o porto e é um pouco feia e suja, além de não ter nada para fazer. Resolvi dar uma perguntada por hospedagem barata antes de tentar pegar carona tão tarde, tinha dormido em um barco desconfortável no dia anterior e não tinha vontade de acampar na estrada o que provavelmente aconteceria se fosse para saída da cidade aquela hora. Consegui de cara na Hospedaje Quellón simplesmente dando meu preço e saindo quando inicialmente não aceitaram, logo a dona me chamou de volta e eu era o único hospede naquele dia.

No outro dia fui para a estrada assim que acordei, acabei tentando pegar carona antes da saída da cidade porque a cidade era longa e eu andei bastante até aquele ponto, demorou quase uma hora para me levarem até um ponto bem mais distante e dali foi fácil me levarem até Castro, a maior cidade da ilha. Fiquei em Castro por dois dias no hostel Chiloe Sur, um hostel pequeno e tranquilo que promovia uma interação grande entre os hóspedes, inclusive foi outra viajante ali que me indicou o hostel em que eu trabalharia duas semanas depois em Valparaíso.

Castro é uma cidade bem mais charmosa e junto com outros povoados de Chiloé tem uma paisagem e arquitetura bem distinta do resto do país, tem muita mata e mangue, há muita coisa trabalhada em madeira ali, desde barcos até a maioria das casas. Há muitas igrejas por toda a ilha, as primeiras foram construídas por jesuítas quando a ilha foi colonizada e agora continuam replicando pequenas igrejas por todos os lados. Outra característica arquitetônica são os parafitos, casas constuídas em plataforma que ficam sobre a água, como o nível do mar estava baixo dava para ver toda a estrutura de uma parte dessas casas. Há uma comida típica da região que é bem difundida ali, o Curanto: Basicamente um caldo gorduroso servido junto de mariscos, frango, carne de vaca, de porco e linguiça. Bem pesado, gorduroso e gostoso.

Além de Castro também visitei Dalcahue na mesma ilha, Curaco e Achao na ilha vizinha. No geral todos os vilarejos são parecidos, basicamente versões menores de Castro. Achao tem também um belo mirador onde se tem uma visão de todas as ilhas do arquipélago.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Carretera Austral


 A Carretera Austral é o nome de uma estrada que percorre toda a parte do início da Patagônia chilena até onde se pode ir por terra, eu a percorri em pouco mais de uma semana. Minha intenção quando fui até o Ushuaia era descer pela Patagônia argentina e subir pela chilena, só quando cheguei no Chile que descobri que não havia caminho por terra, teria que subir uma parte pela rota 40 da Argentina e depois entrar de volta no país. Não queria fazê-lo pois voltaria pelo caminho que recém havia feito, por isso optei por gastar um dinheiro a mais e pegar uma balsa que sai de Puerto Natales e vai até Caleta Tortel, uma das cidades mais ao sul da carretera austral.

A balsa toma dois dias de viagem e passa por vários pontos interessantes, tive azar e o dia estava com neblina e uma chuva fina durante toda a viagem, passei a maior parte do tempo dentro da balsa. Era confortável, todas as refeições estavam incluídas, tinha TV e um sistema de entretenimento que carregava diretamente no dispositivo dos passageiros, bem parecido com voos internacionais. Conheci dois franceses no barco, Charles e Guillaume, que seguiram viagem comigo pelo começo da carretera. Chegamos de madrugada em Caleta Tortel, já no porto tinha gente oferecendo hospedagem afinal só aparecem turistas duas vezes por semana justamente quando chega este barco. Ficamos em uma hospedagem chamada Brisas del Sur, éramos os únicos hospedados e pelo menos o café da manhã era muito bom.

A região da carretera austral toda é bem pouco populada, é a parte mais rural da Patagônia. Caleta Tortel não é diferente, há muita pouca gente vivendo ali, mas a cidade é única: as casas estão todas as margens do mar e ao invés de ruas ela tem passarelas de madeira como se a cidade toda fosse um grande pier. Saímos dali no mesmo dia, a cidade é tão pequena que em uma manhã já vimos tudo, pegamos uma van até Cochrane e de lá convenci meus amigos a tentar pegar carona até Puerto Rio Tranquilo nosso próximo destino. Um casal de estadunidenses que vivem no Chile nos levou até Puerto Bertrand passando pelo rio Baker que é foda, tem uma cor azul tão vívida que parece ser editada para a adição de efeitos especiais. Dali não conseguimos outra carona, é mais difícil em três do que sozinho e já estava ficando tarde. Ficamos por ali mesmo e tomamos umas cervejas atesanais com uma pizza muito boa, a melhor que provei no Chile. A cidade foi uma boa surpresa, também era pequena mas era bem bonita, tinha uma vista fabulosa para um lago. Uma amiga gringa do casal que nos deu carona nos recomendou a hospedagem da Mirella, que era basicamente a casa dela onde nos quartos extras ela colocou mais camas. Ali haviam mais duas francesas hospedadas, Angéline e Clémence, que eu já havia conhecido em Ushuaia, se entenderam fácil com os outros franceses já que todos falavam a mesma língua, eu tinha que trocar entre o inglês e o espanhol, porque não tinha uma língua que todos falássemos.

No dia seguinte continuamos tentando pegar carona, as francesas já tinham uma marcada com um rapaz que acabou levando à todos nós, eu fui na parte de trás da caminhonete com um dos franceses e a vista dali era melhor do que de dentro do carro. Descemos na Bahía Mansa a uns 5 km de Puerto Río Tranquilo e de onde saíam os botes para as capelas de mármore um dos principais pontos turísticos da carretera. E realmente valem a visita, são cavernas de mármore naturais formadas em várias partes em meio à lagoa, a maior de todas é chamada de Catedral de Mármore e é possível entrar nela com o bote, havia muita gente de kayak também. De lá fomos caminhando os 5 km para a cidade e alugamos uma cabana entre os cinco, os franceses foram buscar um barco para pescar enquanto eu fui com as meninas para uma trilha onde haveria um mirador, acabou que não achamos a trilha e ficamos dando voltas em uma floresta, os caras também não conseguiram o barco porque os pescadores disseram que a maré estava muito baixa porém eles acreditavam que era só uma desculpa pra não os levarem. A noite cozinhamos uma macarronada regada a muito vinho chileno.

Eu era o único com tempo ali, todos já iam em seguida a Puerto Chacabuco pegar um barco até Puerto Montt já fora da Patagônia eu preferi passar mais tempo na carretera e fui até Villa Cerro Castillo com a intenção de subir o cerro de mesmo nome. Em menos de cinco minutos consegui uma carona até lá e busquei hostels na região, não havia nenhum, acabei ficando em outra dessas casa que viram hospedagem. Esta se chamava Gemita, a dona era muito simpática e até me deu comida na noite que passei lá. Não consegui subir o cerro porque o tempo estava muito feio e havia neblina por tudo, eu até poderia subir mas não veria nada lá, no dia seguinte amanheceu pior e chovendo, resolvi continuar direto para Coyhaique a maior cidade da região.

Consegui uma carona fácil até lá também, e fiquei por CouchSurfing na casa do Luis, um professor muito interessado em contar sobre o país aos estrangeiros. Fiquei uma só noite na casa dele porque no dia seguinte chegaram pessoas da família dele e também um espanhol por CouchSurfing que não tinha outro lugar para ficar, eu tinha recebido mensagem de outro anfitrião que também me aceitava na sua casa e fui pra lá no segundo dia. Coyhaique é a maior cidade da carretera mas tem só 40 mil habitantes, não tem cara de uma cidade grande mas também não se parece com uma cidade pequena por ser um polo regional e ter de tudo, é uma cidade distinta e difícil de descrever. Tem uma pedra do índio lá, assim como em El Bolsón, e por mais que seja fácil ver formas em rochas e nuvens não me surpreenderia se alguém entalhasse essas pedras para forçar um ponto turístico onde não há. Um rio chamado Simpson passa pela borda da cidade e há alguns bons miradores pela margem. Meu segundo afitrião foi o Alan, também professor porém bem jovem e originário de Chiloé, uma ilha que seria meu futuro destino e por isso me deu algumas dicas. Fomos até a cascada la virgem com sua namorada, é uma cachoeira extremamente forte na beirada da estrada, possivelmente estava mais forte pelas chuvas dos últimos dias.

De Coyhaique fui até Puerto Cisnes, em umas três caronas todas sem esperar muito tempo. Passei dois dias lá, ambos chovendo mas com intervalos suficientes para conhecer a região. É um povoado bem tranquilo cujo maior movimento é do porto, há um mirador feito no morro colado na cidade chamado La Virgem que tem uma estátua de Nossa Senhora no topo, passei também pelo Balneário Media Luna, que é uma praia fora do vilarejo, mas estava tão frio que eu usava até luvas, o que eu gostei mais foi o sendero dos lagos que é uma trilha tranquila que chega em dois belos lagos. Na noite do segundo dia deixei a carretera ao pegar uma balsa até Quellón que fica na ilha de Chiloé, a viagem durou um dia e meio, essa não incluía comida mas também tinha televisores com filmes para passar o tempo.